DOMINGOS MEIRELLES
O Conselho Deliberativo da
Associação Brasileira de Imprensa, que se reuniu pela primeira vez na última terça-feira de outubro,
quatro dias após a morte de Maurício Azêdo, não se preocupou com o luto. Não
prestou qualquer homenagem póstuma ao companheiro que ocupava, sub judice, a presidência da entidade,
desde a última eleição em abril passado. Não se pediu sequer um minuto de
silêncio em memória do seu falecimento. O que se viu naquela tarde de 29 de
outubro foi um espetáculo degradante, vergonhoso, incompatível com as melhores
tradições da ABI. Não foi uma reunião para lembrar a perda do presidente que
escolhera a dedo cada um dos integrantes daquele Conselho.
Não se podia imaginar que,
naquela sessão, os conselheiros por ele ungidos deixassem de promover algum
tipo de manifestação pela morte de um companheiro que todos sabiam enfrentar
graves problemas cardíacos desde 2009.
Conduzido por interesses inconfessáveis, o Conselho comportou-se de forma
aviltante. Não se ouviu uma palavra que traduzisse pesar ou tristeza. Era como se o presidente morto há quatro dias
jamais tivesse existido. "Rei morto, rei posto", diz o velho ditado
popular que foi seguido à risca, naquela sombria tarde de terça-feira. Azêdo
jamais também poderia supor que
seria vítima de um dos seus maiores pecados. Nenhuma das carpideiras que
escreveram textos lacrimosos no site da ABI, onde lamentavam sua morte e exaltavam suas virtudes,
lembrou-se de pranteá-lo durante a sessão. Uma lápide de silêncios foi
depositada sobre a sua vida e o seu passado, por todos aqueles a quem retirara
do limbo, oferecendo-lhes uma visibilidade que não mereciam.
Os critérios que sempre norteavam
Azêdo na escolha dos integrantes do Conselho Deliberativo jamais repousavam em
méritos pessoais ou de natureza profissional. O que exigia dos escolhidos, com
raríssimas exceções, era lealdade, obediência e submissão. Não apenas por
autoritarismo, traço que tanto o caracterizava, mas para que não interferissem
no trabalho que fazia com afinco, meticulosamente, como escravo de uma
personalidade centralizadora e perfeccionista, refratária a qualquer tipo de
crítica.
Maurício Azêdo sempre preferiu um
Conselho subalterno, dócil e omisso. Um rebanho que não tivesse competência
para contestá-lo ou criar embaraços ao projeto pessoal do qual considerava-se o
único artífice capaz de executá-lo com eficiência: construir uma ABI que
superasse a de Barbosa Lima Sobrinho. Acreditava que sua gestão o eternizaria
como o melhor presidente da história da instituição.
Na condução da ABI, Azêdo cometeu
erros comuns à espécie humana, potencializados pela sua própria estatura de
jornalista competente – redator irrepreensível, orador brilhante, um homem
reconhecido pelo temperamento difícil, tanto quanto pelo senso ético, às vezes
quase desumano com aqueles a quem não valorava. Seu gênio esquentado o fez
tornar-se muitas vezes impiedoso e
extremamente injusto com inimigos reais ou imaginários que pareciam persegui-lo,
como uma sombra, ao longo da vida.
A primeira reunião do Conselho da
ABI sem o comando do seu mentor permitiu que aflorasse o pior dos erros que
Maurício Azêdo poderia ter cometido na condução da instituição: a escolha de
pessoas sem biografia e ossatura de caráter. Os eventos que marcaram a reunião
do Conselho Deliberativo, naquela tarde de 29 de outubro, foram indignos e
repulsivos. As ambições mais mesquinhas floresceram, de repente, de forma
deplorável. As máscaras se desafivelaram e as ambições de cada um começaram a se exibir sem
disfarces, de corpo inteiro, revelando sua verdadeira face. Sem a presença do
líder, que jamais permitiria aquela ópera bufa, ocorreram irregularidades,
transgressões, agressões verbais, preocupantes manifestações de histeria, reinterpretações
oportunistas das regras estatutárias, além de violações dos mais comezinhos princípios da ética e
do Direito.
A primeira reunião dos deserdados
foi cenário de cenas estarrecedoras. O episódio mais abjeto e constrangedor, impensável
numa instituição com tradição
democrática da ABI, foi a cassação ilegal do mandato do vice-presidente
Tarcísio Holanda, comandado pelo presidente do Conselho, Peri Cotta. Espelhando-se
num dos piores exemplos da ditadura militar, Peri impediu a posse de Tarcísio
utilizando-se do mesmo artifício usado pelo Alto Comando do Exército ao impedir
que o vice Pedro Aleixo assumisse
a Presidência da República com o afastamento por doença do marechal Arthur da
Costa e Silva. Os detalhes da sórdida cassação de Aleixo foram, inclusive,
reproduzidos com extraordinário talento por Zuenir Ventura no livro " 1968 - O ano que não terminou ".
Tarcísio Holanda, um dos
profissionais mais respeitados da sua geração, foi humilhado
por uma horda enlouquecida de golpistas, alinhados com Peri e o ex-oficial de
Marinha Milton Temer que operava, em plenário, os apoiamentos à cassação,
através de tenebrosos acordos de convés. Num gesto tresloucado queriam,
inicialmente, que ele renunciasse. Como Tarcísio resistiu, foi apunhalado sem
compaixão pelos seus próprios companheiros.
Ancorado num inconsistente "parecer jurídico"
encomendado ao escritório de advocacia Siqueira Castro, o mesmo que defende a
chapa Prudente de Morais, Peri declarou vago o cargo de vice-presidente. Ao
arrepio da lei, como fez o
Alto-Comando do Exército, em 1969, o presidente do Conselho determinou que
fosse escolhido outro nome para a sucessão de Maurício Azêdo.
O vice-presidente Tarcísio
Holanda, que veio de Brasília especialmente para assumir o cargo, acusou Peri e
seus cambonos de capitanearem um "golpe de Estado", atitude inaceitável
numa instituição como a ABI. Lembrou que sempre desfrutara da confiança pessoal
de Azêdo, de quem era amigo há
mais de 50 anos, e a quem substituíra, inclusive, em várias oportunidades como
presidente da Casa. Ninguém lhe deu ouvidos. Transtornado diante de tamanha
demonstração de frieza e cinismo, desabafou em voz alta para que todos ouvissem: - A presença de vocês me enoja.
Como Tarcísio recusava-se a
renunciar ao cargo para o qual fora eleito, em 2010, juntamente com a maioria
dos presentes, Peri resolveu submeter ao plenário a proposta de transformar a
reunião ordinária em reunião extraordinária, a fim de legitimar o "golpe
de Estado". Ao ser contestado
por não cumprir a regra da convocação pública, estabelecida pelo Estatuto, para
os casos de reuniões extraordinárias, Peri respondeu, com arrogância: “sou o
presidente do Conselho e tenho poder até para extinguir a ABI”.
E assim, sem que houvesse uma
convocação do corpo social, os membros do Conselho amancebados com Peri, Temer,
Miranda Sá e Mário Augusto Jacobskind aprovaram a decisão. A intenção clara, ao
entardecer daquela terça-feira, era tomar de assalto o controle da ABI. Com
base no gelatinoso parecer jurídico
que autorizava não empossar o vice em caso de vacância, o presidente sub judice do Conselho Deliberativo
lançou a candidatura do Diretor
Administrativo, Fichel David Chargel, igualmente sub judice, para ser votada naquele momento. E assim o golpe se
concretizou. Chargel assumiu, de forma enviesada, a presidência da Associação Brasileira de Imprensa até que a
Justiça se manifeste sobre essa estultice.
Do currículo de Chargel sabe-se
pouco, além de sua atuação na imprensa como diagramador e que teria trabalhado
com Azêdo na Câmara e no Tribunal de Contas do Município. Foi também diretor do
Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro. Chargel orgulha-se de
ter sido um dos fundadores da Cooperativa dos Profissionais de Imprensa do Rio de
Janeiro, a finada COOPIM, que desapareceu sob seu comando, após desastrada
administração. Os sócios da cooperativa até hoje desconhecem o destino do patrimônio
da entidade dissolvida em 1986.
O novo presidente da Casa dos
Jornalistas é, na verdade, apenas um balão de ensaio. Um teste engendrado para utilizar a
instituição como uma espécie de laboratório político. As hienas que rondam a
agonizante ABI parecem ter projetos ainda mais ambiciosos. Quando a titular da
8ª Vara Cível marcar novas eleições, vão substituir Chargel por outro nome para
disputar a presidência da Casa. Acreditam que a direção da entidade seja o
caminho mais fácil para catapultar uma candidatura ao Senado, como denunciou uma
das poucas vozes do Conselho contrária à partidarização da ABI.
O espetáculo grotesco da reunião
de 29 de outubro expõe com nitidez as digitais dessas personagens em alguns dos
fatos que se encontram nas mãos da Justiça. E talvez expliquem as atitudes
estranhas protagonizadas por Azêdo ao tentar manter-se na presidência da ABI
pelo quarto mandato consecutivo, ao custo de sua própria biografia, impedindo
de maneira fraudulenta a participação legítima de uma chapa adversária. Não era
o estilo de Maurício Azêdo. As contradições demonstram que ele talvez já não
tivesse condições físicas de comandar a instituição. São cada vez mais
evidentes os indícios de que pudesse estar sendo manipulado. Apesar da saúde
precária, era insuflado pelos seus pares a permanecer sempre na linha de
frente, como um gladiador romano. A maioria dos seus protegidos, entretanto,
não se expunha. Azêdo ficou praticamente só na tarefa de defender as
irregularidades cometidas durante o processo eleitoral com a conivência de
todos os integrantes do grupo que liderava. Os graves problemas enfrentados pela
ABI e o abandono dos seus pares, que o deixaram com a responsabilidade de sustentar sozinho o ônus de toda a
campanha, acabariam minando suas forças, além de revelar o tipo de gente que o adulava.
Os fatos falam por si. Na
campanha que o elegeu pela primeira vez, em 2004, a luta também foi difícil, mas não houve da parte dele o
recurso a atitudes menores em momento algum. A luta foi limpa e honrada. A
primeira diretoria eleita com ele, entretanto, sofreu uma baixa considerável em
seus primeiros meses de mandato. Azêdo identificou atitudes inconciliáveis com
o seu rigoroso senso ético em alguns dos seus membros que se viram obrigados a
se afastar. Uma história que ainda há de ser contada. Estranhamente, esses
mesmos personagens estão agora de volta em um Conselho contestado na Justiça.
Outra situação que aponta para a
possível debilidade de Azêdo foi a publicação de um jornal de divulgação da
campanha pelo seu quarto mandato, onde o nome do patrono da chapa, no cabeçalho, estava escrito
errado – Prudente de Morais, neto é a forma correta e ele fazia questão até
mesmo da vírgula, e “neto” com letra minúscula. No jornal, Morais estava
escrito com “e”. Esse erro ele jamais deixaria passar.
As ações vergonhosas para impedir
que a chapa de oposição Vladimir Herzog disputasse a última eleição também são
contraditórias e não combinam com o estilo de Maurício Azêdo, acima de tudo
porque foram trapalhadas que ofendem até mesmo inteligências medianas, como a
emissão de um cheque pessoal para quitar débitos de 17 integrantes da chapa da
situação. O mesmo privilégio, regularizar as dívidas no balcão da Tesouraria,
foi negado à oposição. Os membros da chapa Vladimir Herzog só poderiam pagar as
mensalidades em atraso através de boleto bancário. Esses boletos, entretanto,
jamais foram expedidos pela ABI. E mais: o cheque de Azêdo, anexado aos autos
do processo, traz a relação nominal, de próprio punho, de quem estava com a
mensalidade sendo por ele quitada, o que se constituiu em mais uma prova
material, entre as muitas
ilicitudes cometidas pelo então presidente da Casa.
Na tentativa de regularizar a
situação dos membros da própria chapa, outro engano que Azêdo, em condições
normais, certamente jamais cometeria: confundiu-se com nomes de dois sócios
irmãos e acabou quitando a mensalidade do jornalista Tim Lopes, morto em 2002.
Maurício Azêdo não cometeria esse engano, porque tinha uma memória prodigiosa e
não esqueceria o nome de Tim Lopes, assim como não erraria no sobrenome do
patrono de sua chapa.
Azêdo talvez não imaginasse que o
coração que se fortalecia nas disputas e batalhas fosse abandoná-lo em meio a
uma situação tão difícil; menos ainda que deixaria como herança um Conselho que
macula a sua memória. A ABI é uma nau que estancou no atoleiro da insensatez e
está sendo invadida pelos ratos do oportunismo.
Essa matéria reflete em parte a personalidade de Maurício Azêdo. Ele era impulsivo, às vezes autoritário, fora esses aspectos eleitorais da ABI, era eticamente irreprochável. Mas falando em autoritarismo, a chapa Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura militar, tem em seus quadros um que foi porta-voz do regime militar: o jornalista VILLAS-BOAS.
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